Você já ouviu falar da febre das tulipas? Em pleno século XVII, na
Holanda, o preço de certos bulbos de tulipa chegou a valer mais do que uma
casa, sim, uma futura flor valia mais do que um imóvel. Isso durou pouco, um
dia, os compradores sumiram, os preços despencaram e muita gente perdeu tudo.
Esse episódio, conhecido como a primeira bolha especulativa documentada,
ajuda a entender uma lógica que se repetiria inúmeras vezes ao longo dos
séculos. Da tulipomania às criptomoedas, passando por bolhas como a da internet
nos anos 2000 ou a do mercado imobiliário em 2008, o que se vê é um padrão: a
economia entra em euforia, os preços disparam, o medo desaparece, até que tudo
desaba. Mas por que isso acontece com tanta frequência? Seria só ganância?
Falta de regulação? Ou será que, no fundo, o capitalismo precisa dessas bolhas
para continuar existindo? Vamos entender melhor:
1.
Tulipas, luxo e ruína (1630–1637)
Na Holanda do século XVII, tulipas exóticas, especialmente as com
padrões raros e cores incomuns, eram tão valorizadas que passaram a ser
negociadas como ações. As pessoas não compravam para plantar, mas para revender
a um preço maior, um mercado de contratos foi criado, permitindo a compra e
venda futura de bulbos que ainda nem existiam.
Os preços subiam porque todo mundo acreditava que alguém pagaria mais
depois. Mas, quando o primeiro grupo decidiu não comprar, o sistema colapsou.
Confiança virou pânico e o pânico virou uma quebradeira econômica generalizada.
Esse episódio deixou claro um mecanismo que se repetiria, valores subindo sem
conexão com a utilidade real ou valor intrínseco, ou seja, sem um motivo
lastreado no mundo real para estar se elevando, hoje chamamos isso de bolhas.
2. A bolha
do Mar do Sul (1720)
Na Inglaterra, a South Sea Company foi criada com o privilégio de
explorar o comércio com a América do Sul, o que atraiu os investidores não
foram os lucros reais, mas as expectativas vendidas pela elite política e
econômica da época, que incluía parlamentares e o próprio rei. A promessa da
empresa era de que a nova fronteira do comércio global estava em terras
sul-americanas.
Assim, as ações da empresa dispararam, alimentadas por uma crescente
propaganda, sem lastro em fatos, apenas em especulação e corrupção. Quando os
lucros não apareceram, o mercado entrou em pânico, a elite inglesa perdeu
fortunas, o Parlamento interveio e a confiança no sistema financeiro foi
abalada. Mais uma vez, promessas infladas, fundamentos frágeis e um colapso
previsível.
3. A bolha
da internet ou empresas .com (1995–2000)
Nos anos 1990, empresas de tecnologia começaram a atrair investidores
com ideias revolucionárias. Sites sem lucro, sem produto e às vezes sem
funcionários receberam bilhões. A lógica era: “invista agora e venda depois com
muito lucro”.
A imprensa e os mercados celebravam cada nova startup como a próxima
revolução digital. Muitos investidores nem sabiam o que as empresas faziam,
quando a realidade bateu à porta, centenas de empresas quebraram, milhões de
pessoas perderam dinheiro, e o índice Nasdaq despencou. A bolha da “nova
economia” estourou, mostrando o risco de confiar mais na expectativa do que no
valor real do produto ou serviço.
4. A bolha
imobiliária dos EUA – Crise do Subprime (2001–2008)
Nos anos 2000, o crédito imobiliário foi facilitado ao extremo. Nos
Estados Unidos, qualquer pessoa conseguia comprar uma casa com prestações
aparentemente acessíveis, bancos repassavam esses empréstimos para fundos, que
criaram papéis financeiros (os famosos subprimes), vendidos no mundo inteiro.
Logicamente, havia um problema, muitos dos compradores não tinham
condições reais de pagar os empréstimos tomados. Mas isso era ignorado,
enquanto os preços subiam, o sistema parecia lucrativo e se retroalimentava.
Quando os calotes começaram, o castelo de cartas ruiu como um verdadeiro
esquema de pirâmide. O pânico se espalhou e grandes bancos quebraram.
O impacto não atingiu apenas os EUA, foi global, já que os papéis eram
negociados em todo o mundo e as empresas e bancos atingidos operavam em muitos
países, o que veio a seguir, foi, muito desemprego, despejos e recessão. A
solução do mercado? Correr atrás do governo para resgates bilionários dos
bancos. O lucro era todo deles, mas a dívida ficou para a população pagar.
5.
Criptomoedas, NFTs e os ativos digitais (2017–2022)
Mais recentemente, vimos um frenesi em torno de bitcoins, altcoins e
NFTs. Milhões acreditaram que essas tecnologias substituiriam o dinheiro
tradicional e revolucionariam a economia. De fato, há inovações reais, mas
também houve exagero, marketing agressivo e muita especulação.
Pessoas compravam imagens digitais de “macacos estilosos”, sim, pagavam
fortunas por uma imagem intangível qualquer que se supunha valer algo, ou
criptomoedas criadas em garagens, esperando lucros rápidos. Quando a confiança
caiu, os preços despencaram. Empresas quebraram, carteiras digitais sumiram e
os bilhões evaporaram, também em uma velocidade digital. Essa era a mais nova
bolha, mas agora em tempo real, promovida por um novo operador do capital, os
influenciadores.
6. O papel
da regulação e o capitalismo financeiro
Uma das grandes questões negligenciadas em muitas discussões sobre
bolhas é a falta de regulamentação eficaz, se o mercado é deixado sem controles
rígidos, especuladores podem manipular valores e inflar ativos sem nenhum
lastro real. Porém, o capitalismo precisa disso, aliás, se alimenta desse
mecanismo, assim o sistema financeiro permite e até incentiva esse
comportamento. Os governos muitas vezes falham na regulação porque enfrentam
dois grandes obstáculos:
1. Pressão
de grandes investidores e corporações, que lucram com as bolhas e influenciam
as decisões políticas.
2. O medo
de desacelerar a economia, já que impor limites pode frear investimentos e
retirar liquidez do mercado, refreando picos econômicos, mesmo que esses sejam
evidentes farsas.
·
Alternativas poderiam incluir:
-
Tributação sobre transações especulativas, para reduzir incentivos ao
investimento de curto prazo sem fundamento sólido.
- Maior
transparência e fiscalização, exigindo que empresas e mercados publiquem
informações realistas sobre riscos e projeções.
- Educação
financeira, para evitar que investidores leigos caiam em esquemas altamente
voláteis sem compreender os perigos.
Então voltamos à questão principal, o capitalismo precisa das bolhas?
Tranquilamente podemos afirmar que sim, e que não só surfa nessas ondas como
ajuda a produzi-las e mantê-las o maior tempo possível vivas. O capitalismo
financeiro, precisa constantemente reinventar mercados e “produtos” onde o
capital possa se multiplicar rapidamente. Esses ativos muitas vezes crescem em
valor não por serem úteis, mas porque existe a expectativa de que alguém pague
mais depois.
A economia produtiva é complexa e por vezes desacelera, fato normal no
comércio mundial. Porém, para o capital financeiro, não são aceitáveis esses
momentos de refração, então ele migra para ativos intangíveis ou promessas
futuras de lucro, e joga em bilhões de pessoas mundo afora a ilusão de riqueza
fácil e lucro imediato, assim como em um cassino, e como em todo jogo de azar,
no final, só quem ganha é a banca.
As bolhas são, assim, válvulas de escape que mantêm o sistema aquecido,
elas movimentam trilhões de dólares, criam ilusões temporárias de crescimento e
permitem que os grandes acumuladores lucrem enquanto o otimismo ou miopia
durem, antes de transferirem o prejuízo para o conjunto da sociedade, levando
milhares à bancarrota.
A cada novo “produto milagroso” vendido como revolução, seja uma flor,
um token, uma nova hipoteca da casa ou uma startup, surge uma
nova onda de euforia. Isso é incentivado por plataformas digitais,
influenciadores financeiros, mídia tradicional cada dia mais financista, além
de uma cultura que transforma a especulação em virtude. Enquanto o lucro rápido
for o motor da economia, e a valorização artificial for mais premiada que o
trabalho produtivo, as bolhas continuarão surgindo, mais bilionários enriquecerão
e maior será o abismo social do planeta. No fim, o problema não são só as
bolhas — é um sistema que só existe para soprá-las.
Cláudio
Carraly - Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.
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